O ESG que ninguém vê: o risco trabalhista invisível e o preço da negligência na cadeia produtiva
Em um mercado orientado por reputação, ignorar o que acontece fora dos muros corporativos tornou-se uma vulnerabilidade estratégica
O maior risco trabalhista de uma empresa moderna pode não estar na sua folha de pagamento, mas em uma linha de produção distante, operada por um fornecedor sem governança que age em seu nome.
Durante anos, o debate ESG concentrou os holofotes no “E” e no “G”, enquanto o “S” foi reduzido a relatórios e campanhas institucionais. O problema é que, nas entrelinhas das cadeias produtivas, ainda persistem práticas que corroem integridade: jornadas exaustivas, terceirizações sem controle, alojamentos precários e vínculos disfarçados.
Em um mercado orientado por reputação, ignorar o que acontece fora dos muros corporativos tornou-se uma vulnerabilidade estratégica. O risco trabalhista deixou de ser apenas jurídico. Hoje, é também reputacional, ético e financeiro.
Do risco jurídico à responsabilidade social ampliada
A responsabilidade empresarial evoluiu. Hoje fiscalizações e decisões judiciais reconhecem que a empresa não pode se omitir sobre as condições de trabalho na cadeia que sustenta seu negócio. A Reforma Trabalhista e a Lei da Liberdade Econômica ampliaram possibilidades de contratação, mas também elevaram o dever de supervisão e governança sobre terceiros.
A responsabilização, seja subsidiária ou, em casos extremos, solidária, tem ganhado espaço sempre que há falha de controle ou benefício direto da negligência.
Normas recentes como a Lei 14.611/2023 (igualdade salarial), a Lei 14.457/2022 (Emprega + Mulheres) e as atualizações da NR-1 e NR-5 reforçam a necessidade de programas integrados de conformidade com foco em prevenção e rastreabilidade. Não basta assinar contratos. É preciso governança.
Contratos com terceirizadas devem prever restrições à quarteirização irregular, auditorias periódicas, obrigações de compliance e protocolos de resposta. Mais do que fiscalizar, trata-se de desenvolver parceiros com metas sociais compartilhadas.
Em setores com cadeias longas, como agronegócio, construção, moda, logística e alimentos, o desafio se intensifica. A rastreabilidade é mais complexa e exige tecnologia, auditoria e cultura de integridade compartilhada. Quanto maior a cadeia, maior o escrutínio e maior o risco reputacional da negligência.
Como enxergar o risco invisível
O desafio real não é jurídico, é operacional. Mapear e prevenir riscos de trabalho análogo à escravidão ou más condições laborais exige integração entre jurídico, compliance, suprimentos, RH e sustentabilidade.
A gestão eficaz das cadeias produtivas começa com dados e termina com cultura. Algumas medidas estruturantes são indispensáveis:
- Due diligence social e análise de histórico de conformidade
- Auditorias de campo com tecnologia e canais anônimos de denúncia
- Cláusulas contratuais robustas e limites claros à subcontratação
- Rastreabilidade da mão de obra e monitoramento contínuo
- Indicadores ESG conectando trabalho a risco reputacional e financeiro
- Capacitação e cultura ética estendidas a terceiros
O papel do jurídico é criar processos rastreáveis e viáveis na prática. O compliance deve assegurar que a due diligence não se limite a papel, mas se traduza em conduta.
O custo do barato
Há um dilema que ainda perpassa muitas cadeias produtivas: o preço competitivo segue, em alguns casos, superando o compromisso social. Mas economias obtidas à custa de direitos humanos criam passivos ocultos que podem explodir a qualquer momento, na forma de sanções administrativas, responsabilização civil e criminal e desgaste reputacional que afasta investidores e clientes.
As consequências são concretas: autuações por trabalho análogo à escravidão, inclusão em listas restritivas, perda de contratos com multinacionais e restrições de acesso a capital de instituições que exigem comprovação de due diligence.
O barato, nesse cenário, tem custado caro. Ética, rastreabilidade e transparência deixaram de ser valores institucionais para se tornarem critérios de competitividade e permanência em cadeias globais.
A maturidade do ESG social
O futuro do ESG se medirá menos por metas ambientais isoladas e mais pela coerência social das organizações. O jurídico empresarial passa de uma atuação defensiva para a liderança na integridade das relações de trabalho em toda a cadeia produtiva.
Prevenção não é custo. É investimento na perenidade, legitimidade e confiança do mercado. Cumprir a lei dentro dos muros já não basta. A verdadeira conformidade percorre toda a cadeia e protege, com inteligência e propósito, cada pessoa que a sustenta.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.