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O sistema penal brasileiro é um dos piores do mundo, e não se trata de mera questão de opinião: podemos prová-lo com dados empíricos e rankings internacionais, como o Rule of Law Index (“índice do Estado de Direito”), elaborado pelo World Justice Project. Nesse ranking, o Brasil ocupa a 80.ª posição entre 142 países. A área na qual o vai Brasil tem o pior desempenho é exatamente a Justiça criminal: nesta categoria, o Brasil cai para a 113.ª posição.
O índice aprofunda os temas medindo vários subconjuntos técnicos, e em muitos deles o Brasil vai ladeira abaixo. No quesito “devido processo legal e direitos do acusado”, estamos na 114.ª posição; em “ordem e segurança”, o Brasil tem o 122.º lugar; no tópico “controle efetivo do crime”, o país ocupa a 125.ª posição; quando se trata da “efetividade do sistema corretivo em reduzir o comportamento penal”, nossa posição é a 128.ª.
Em outro país, os mortos na Operação Contenção não teriam morrido, simplesmente porque ainda estariam atrás das grades pelos crimes já cometidos
Caímos ainda mais em outros itens, que avaliam se determinadas frases são verdadeiras ou não no caso de cada país. Quando se trata de analisar se “funcionários do Estado são efetivamente sancionados pelos desvios de conduta cometidos”, estamos na 129.ª posição; afundamos para 135.º lugar no quesito “a Justiça penal funciona em tempos razoáveis e de forma efetiva”; diante da frase “processos administrativos são conduzidos sem atrasos não razoáveis”, descemos para a 138.ª; analisando se “funcionários do Legislativo não usam o cargo para ganhos privados”, estamos em 139.º; por fim, no quesito “imparcialidade do sistema penal”, amargamos a penúltima posição, a 141.ª, à frente apenas da Venezuela.
A Itália é um dos países com a menor taxa de homicídios do mundo (a 16ª menor taxa, segundo o site Our World in Data). Claro, as explicações são muitas, mas sabemos que lá existe prisão perpétua (como em quase todo o mundo); a maioridade penal ocorre aos 13 anos; não há “saidinha” nem “visita íntima”; o crime organizado e o terrorismo são equiparados. A Itália tem, em seu Código Penal, o famoso artigo 41bis, que trata de: 1. prisões de segurança máxima; 2. limitação de contato com outras pessoas (sejam outros presidiários, policiais, familiares ou advogados); 3. regime de isolamento com celas individuais; 4. só duas horas ao ar livre por dia (em grupos de no máximo quatro pessoas); 5. máximo de uma visita por mês, com vidro de separação e com câmeras; 6. visitas dos advogados gravadas; 7. audiências por meio de teleconferência; 8. permissão para ir ao hospital apenas em casos extremos; 9. correspondência controlada previamente; e 10. limitações mais rígidas para objetos recebidos. Em resumo, acaba a vida do bandido. O 41bis é o pesadelo dos mafiosos. Quando estava sendo discutido, nos anos 90, a máfia apelou para o “terrorismo cultural”, colocando bombas em estátuas e museus.
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É verdade que a polícia brasileira é uma das que mais matam no mundo. Isso é gravíssimo, mas deriva de uma série de fatores. Duas das variáveis raramente citadas são: 1. a impunidade proporcionada pelo Judiciário, em que a polícia prende e o juiz solta, dando a impressão de que o sistema judicial não serve para manter o bandido preso e que ele precisa ser contido por outros meios; e 2. a seleção adversa: em um país tão violento, quem quer ser policial, ter de lidar com marginais da pior espécie e arriscar sua pele todos os dias? Como alguém pode esperar que um brasileiro, depois que entra para a polícia e começa a trabalhar neste contexto, vire um gentleman britânico?
Os mortos na Operação Contenção, nas favelas do Rio de Janeiro, já tinham cometido outros crimes, incluindo alguns da pior espécie; quase todos tinham vários antecedentes criminais. Em outro país, não teriam sido mortos simplesmente porque ainda estariam atrás das grades pelos crimes já cometidos. É simples assim. O problema está no Código Penal e no Código de Processo Penal.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos
