Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, ministros do STF.
Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, ministros do STF. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

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O ex-presidente e ex-decano do STF Celso de Mello escreveu, no Estadão do dia de Natal, que “a democracia começa pela ética de juízes”. E defendeu urgência por uma solução “que impeça qualquer aparência de favorecimento, dependência ou proximidade indevida com interesses privados e governamentais”. Ele defendia um código de conduta “moralmente necessário”. Gilmar Mendes não acha necessário. Nem eu, se a sabatina do Senado tivesse o dom de perscrutar o caráter do sabatinado para saber se, em casa, a família pôs na medula da criança valores éticos que ficam lapidados para toda a vida. Um ser bem formado jamais admitiria, como juiz, julgar causa de partido ou instituição a que houvesse antes servido, ou decidir em ação que tivesse envolvimento de alguém de sua própria família. Isso seria impossível em caráter ético.

Imagine, então, um contrato de serviços advocatícios genéricos, indefinidos, que rendesse R$ 3,6 milhões por mês, com o escritório da família de um ministro do Supremo. Um contrato assim, por si, grita com eloquência sua impossibilidade ética. O presidente do Supremo, Edson Fachin, percebeu a gravidade histórica dos desvios éticos e propõe um código de conduta que não deveria ser necessário, como o alemão não seria necessário, mas o inglês foi necessário. Um código que é mais “para inglês ver”, porque quem não segue à risca a Constituição e confunde ser intérprete com ser reescrevedor dificilmente seguirá o código. O Supremo, depois dos alertas de Luiz Fux sobre o envolvimento político, entregou-se ao ativismo na gestão Luís Roberto Barroso; passou a levitar acima do Conselho Nacional de Justiça, da Lei Orgânica da Magistratura, do Senado (por permissividade de seus presidentes) e da própria Constituição, que deveria guardar. Agora paga pelo risco de levitar, sem rede, como o trapezista que acha que pode voar.

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Celso de Mello falou sobre evitar aparências de desonestidade. É como a lição da mulher de César. As mulheres de césares do Supremo ganharam bastante, mas a que preço? Tirar a rede foi inventar ação sem Ministério Público para investigar os investigadores da Receita Federal, que queriam saber sobre movimentações financeiras volumosas de mulheres de ministros. Depois, para calar a crítica a um ministro “amigo do amigo de meu pai”, foram saltando de trapézio em trapézio, reforçando a ideia de que poderiam voar, que não estavam numa democracia sob o escrutínio da fonte do poder, o povo, e seus representantes. Esqueceram que só o voto dá legitimidade para legislar. Esqueceram que são servidores do público com responsabilidade maior, porque guardam a Constituição. 

Agora estranham que a mídia, que calou por tanto tempo, resolveu voltar à sua missão original, cumprido o objetivo de anular Jair Bolsonaro. Talvez sintam que foram usados para isso e agora estão na berlinda, porque, afinal, aquela mídia precisa recuperar a credibilidade que perdeu, junto com seus assinantes e audiência. “Cortem-lhes a cabeça”, parece ordenar, todos os dias, a Rainha de Copas. Parlamentares de oposição interromperam as férias para começar as execuções. E, como cobri os 22 meses da Constituinte, não consigo deixar de encerrar esses pensamentos com o discurso do presidente Doutor Ulysses, no dia da promulgação da Constituição tão desrespeitada: “Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério”.

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Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos