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A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) decretada na madrugada deste sábado (22) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é interpretada por juristas e aliados como um “ataque à democracia” e evidência do que seria um revanchismo político da Corte. A alegação é de que a decisão teria sido tomada às pressas, sem comprovação de risco de fuga e com base em argumentos frágeis usados para justificar uma escalada institucional contra a oposição.
A decisão cita uma suposta tentativa de violação da tornozeleira eletrônica à 0h08 da última madrugada, horas depois da convocação de uma vigília por aliados do ex-presidente para a noite deste sábado (22). Para Moraes, a concentração de apoiadores poderia facilitar uma fuga e justificaria a medida extrema adotada contra Bolsonaro.
Juristas, no entanto, contestam o argumento e afirmam que não se sustenta diante do funcionamento normal do equipamento e da ausência de movimentação suspeita na residência. Para o advogado Enio Viterbo, a tese apresentada por Moraes apresenta uma inconsistência temporal de que seria ilógico quebrar a tornozeleira à 0h e aguardar até a próxima noite na própria casa para fugir, e sob o aparato policial próximo.
“Na decisão de 17 páginas, essa violação é mencionada em um parágrafo. Se ela de fato ocorreu, qual é o sentido de falar em uma vigília que sequer aconteceu para fundamentar a prisão preventiva do réu”, questiona.
A análise é semelhante à do advogado André Marsiglia, professor de Direito Constitucional e especialista em liberdade de expressão. Para ele, tanto a alegação de suposta tentativa de violação da tornozeleira eletrônica como de “evitar tumulto” com a vigília de apoiadores carecem de fundamentos e podem ser inconstitucionais.
“Ao tratar uma vigília religiosa como ‘acampamento golpista’, Moraes dá interpretação política aos fatos. O objetivo evidente é atribuir à família Bolsonaro responsabilidade pela prisão. A decisão carece de boa-fé, viola princípios básicos da Constituição Federal e se presta a finalidades políticas, não jurídicas, como de costume”, afirmou.
O jurista ainda ressaltou que Moraes ignora a presunção de inocência de Bolsonaro e lembra que existem prazos e recursos pendentes, fazendo com que a antecipação do cumprimento de pena antes do esgotamento recursal seja “incompatível com a Constituição Federal”.
Há, ainda, o agravante de que Moraes decretou a prisão preventiva de Bolsonaro monocraticamente, ou seja, sem o aval dos demais ministros da Corte. Por conta disso, o magistrado convocou uma sessão extraordinária da Primeira Turma na segunda (24) para analisar a decisão. Além dele, que é o relator, votarão os ministros Flávio Dino, que preside o colegiado, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. O ministro Luiz Fux, que fazia parte do grupo, pediu transferência para a Segunda Turma.
A defesa de Bolsonaro afirmou em nota que a medida causa “profunda perplexidade” e ignora garantias constitucionais como a liberdade religiosa e o direito de reunião pacífica. Os advogados ressaltaram que o ex-presidente estava em casa, monitorado e acompanhado por agentes públicos, e alertaram que o estado de saúde dele é frágil, podendo colocar sua vida em risco.
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Próximas reações
Por outro lado, entre os aliados políticos, a reação deve se intensificar nos próximos dias envolvendo congressistas e governadores. Há a expectativa de que o coro de abuso de poder por parte do STF seja intensificado, além de uma resposta institucional semelhante à que ocorreu em meados de julho, quando Moraes impôs uma série de medidas cautelares a Bolsonaro.
Na época, deputados e senadores da oposição chegaram a pedir a interrupção do recesso legislativo de meio de ano para analisar medidas contra o STF, mas foram barrados pelo presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP). Dias depois, na volta aos trabalhos, fizeram uma manifestação que paralisou a retomada das votações nos plenários da Câmara e do Senado, em um movimento que durou dois dias.
Para eles, a nova investida incisiva de Moraes “atenta contra a dignidade humana”, como citou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), de São Paulo, e demonstra “mais um golpe” contra os direitos do ex-presidente, segundo o catarinense Jorginho Mello (PL-SC). A visão é a mesma de parlamentares, que citam o que seria uma tentativa de “matar Bolsonaro”, “covardia” e “injustiça”, segundo disparou o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ).
“A prisão de Jair Bolsonaro é a maior perseguição política da história do Brasil. Golpe que NUNCA existiu. Realmente o Alexandre de Moraes é psicopata de alto grau”, emendou o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).
Outros parlamentares aliados de Bolsonaro saíram em defesa dele com duras críticas a Moraes, como o líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Caroline de Toni (PL-SC) e o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que foi vice-presidente na gestão de Bolsonaro. Para ele, o ex-presidente não ameaça a ordem pública e a transferência para a PF simboliza que “o arbítrio e a perseguição não têm fim”.
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Entenda a prisão de Bolsonaro
Bolsonaro foi preso na manhã deste sábado (22) após a Polícia Federal indicar risco de fuga em meio à vigília convocada por seus apoiadores na véspera e de um alerta de tentativa de rompimento da tornozeleira eletrônica. Moraes sugere que o ex-presidente tentaria se refugiar na Embaixada dos Estados Unidos, localizada a cerca de 13 quilômetros de distância do condomínio onde mora, em Brasília.
O ex-presidente foi levado para a Superintendência da Polícia Federal em Brasília por volta das 6h35. Não se trata do início do cumprimento da pena por golpe de Estado, em que foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por supostamente liderar a organização do alegado plano para se manter no poder após as eleições de 2022.
Uma cela especial foi preparada para o ex-presidente na sede da Polícia Federal. Ele passava por exame de corpo de delito por volta das 7h20. Moraes agendou audiência de custódia para este domingo (23) ao 12h. Por ora, Bolsonaro só está autorizado a receber visitas de advogados e da equipe médica que o acompanha.






