Prisão de Jair Bolsonaro: Defesa alega que ele enfrenta “doenças permanentes” e sequelas “irreversíveis” em decorrência da facada sofrida em 2018.
Defesa alega que Bolsonaro enfrenta “doenças permanentes” e sequelas “irreversíveis” em decorrência da facada sofrida em 2018. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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A negativa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ao pedido de prisão domiciliar humanitária apresentado pela defesa de Jair Bolsonaro (PL) recolocou em evidência um ponto já explorado pelos advogados do ex-presidente: a alegação de que o quadro clínico seria incompatível com a prisão não domiciliar. O pedido foi protocolado na sexta-feira (21) e rejeitado na manhã deste sábado (22), após a prisão preventiva de Bolsonaro.

A defesa afirma que Bolsonaro enfrenta “doenças permanentes” e sequelas “irreversíveis” da facada sofrida em 2018, com repercussões cardiológicas, pulmonares, gastrointestinais, neurológicas e oncológicas. Os advogados afirmam que o tratamento adequado exige monitoramento constante e a possibilidade de deslocamento rápido para atendimento especializado — algo que, segundo eles, o regime fechado inviabiliza.

"É certo que a precariedade da saúde do Peticionário, que hoje sofre de doenças permanentes e demanda acompanhamento médico intenso para impedir novos mal súbitos (sic), indicam ser o caso de manter a prisão domiciliar hoje já cumprida pelo ex-presidente", apontam os advogados.

Bolsonaro foi preso preventivamente na manhã deste sábado (22), após a Polícia Federal apontar risco de fuga — em meio à vigília convocada por apoiadores na véspera — e relatar um alerta de possível tentativa de rompimento da tornozeleira eletrônica.

O ex-presidente foi levado para a Superintendência da Polícia Federal na capital por volta das 6h35. A medida não marca o início do cumprimento da pena pelo caso do golpe de Estado, no qual ele foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por supostamente liderar a organização do alegado plano para se manter no poder após as eleições de 2022.

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Condições médicas de Bolsonaro são incompatíveis com prisão em regime fechado, alerta médica

Para entender os limites impostos pelas condições de saúde de Bolsonaro, a Gazeta do Povo ouviu a médica Fernanda Kinceski Pina, especialista em cirurgia colorretal. Ela explica que há um conjunto de situações clínicas nas quais a prisão comum se torna inviável em casos de pacientes com doenças graves.

Segundo a médica, prisões em regime fechado costumam ser inadequadas para pacientes muito idosos, portadores de doenças terminais, condições cardíacas e respiratórias graves, quadros oncológicos avançados, gestantes em final de gestação e, principalmente, pessoas que dependem de acompanhamento multidisciplinar contínuo, como é o caso de Bolsonaro. “São casos em que o sistema prisional não consegue suprir as demandas básicas para impedir agravamentos rápidos e potencialmente fatais”, avalia.

Complexidade está no aparelho digestivo de Bolsonaro após múltiplas cirurgias

No caso de Bolsonaro, a médica considera que a complexidade se concentra no aparelho digestivo. Em decorrência das múltiplas cirurgias abdominais realizadas desde 2018, explica a médica, o ex-presidente convive permanentemente com riscos de suboclusão ou oclusão intestinal. De acordo com ela, esses quadros podem evoluir rapidamente para emergências cirúrgicas.

Essas intervenções, lembra Fernanda, deixam sequelas estruturais como, por exemplo, aderências internas, alterações do trânsito intestinal e tendência a novos episódios de obstrução. De acordo com a médica, cada nova cirurgia aumenta a chance de complicações subsequentes, criando um ciclo de instabilidade clínica difícil de controlar fora de um ambiente hospitalar.

Além disso, esses pacientes frequentemente dependem de fisioterapia respiratória intensa, às vezes duas vezes ao dia, e de monitoramento nutricional e metabólico rigoroso. “É preciso manter com precisão o equilíbrio dos eletrólitos — entre eles, magnésio, sódio, potássio e cloro.Um desajuste mínimo pode precipitar problemas cardíacos, renais ou neurológicos”, detalha.

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Monitoramento frequente e resposta rápida são fundamentais

Outro ponto levantado por Fernanda é que pacientes com esse perfil precisam ser avaliados em intervalos curtos, especialmente quando há ajustes de medicação, dieta ou suplementação nutricional. “Cada alteração exige reavaliações sucessivas para verificar resposta e corrigir rapidamente o que não funcionou”. 

No ambiente prisional, esse acompanhamento contínuo costuma ser limitado, considera a especialista em cirurgia colorretal. “O risco maior é o retardo no reconhecimento da gravidade. Quadros de vômitos, diarreia ou dor abdominal podem parecer simples, mas em pacientes com intestino ressecado eles podem indicar algo crítico. Se a transferência ao hospital demora, o desfecho pode ser grave”, explica.

A médica reforça que qualquer episódio de obstrução intestinal, mesmo quando manejado de forma conservadora, exige internação. O mesmo vale para alterações cardíacas ou renais. Essas complicações costumam ser frequentes em pacientes debilitados e com histórico cirúrgico amplo.

Em casos que evoluem para cirurgia, o pós-operatório costuma ser de alto risco. “Um abdômen já manipulado muitas vezes demanda terapia intensiva. Há maior chance de infecções, falência de órgãos e necessidade de reintervenção”, afirma.

“Tudo isso vai impactar na saúde nutricional, renal e cardiológica do paciente. Então, acaba sendo um caso bastante complexo, que demanda bastante cuidado clínico, cirúrgico, em nível hospitalar”, acrescenta.

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