trump tarifas brasil
Donald Trump retirou tarifas sobre vários produtos agropecuários brasileiros. (Foto: Ali Haider/EFE/EPA)

Ouça este conteúdo

Aos poucos, o presidente norte-americano, Donald Trump, está recuando nas tarifas impostas a produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos. Em 14 de novembro, os Estados Unidos retiraram a chamada “tarifa recíproca”, de 10%, sobre produtos agrícolas como café, carne bovina e frutas – uma decisão que não se aplicava apenas ao Brasil, mas que também favorecia o setor agropecuário nacional. Na última quinta-feira, uma nova redução: os mesmos produtos – 249 itens, no total – deixarão de pagar a sobretaxa de 40% imposta especificamente ao Brasil em junho, e que Trump dizia ser motivada pelos ataques do STF à liberdade de expressão e pela perseguição do tribunal a políticos de direita, especialmente o ex-presidente Jair Bolsonaro. Outros produtos continuarão a ser sobretaxados.

Até onde se sabe, o Brasil não chegou a fazer nenhuma concessão nas poucas reuniões ocorridas entre representantes brasileiros e norte-americanos. Os motivos de Trump foram domésticos – e, a bem da verdade, nada difíceis de prever. Ao aplicar as tarifas, o governo norte-americano conseguiu, ao mesmo tempo, reduzir a oferta de produtos importados nas prateleiras de seus estabelecimentos comerciais e encarecer aqueles que continuavam a entrar nos Estados Unidos, resultando em inflação. Entre conter o aumento de preços internamente – ainda mais com eleições parlamentares em 2026 – e tentar salvar Bolsonaro, Trump escolheu rifar o brasileiro para não prejudicar as chances de seu partido nas midterms. Uma escolha tão lógica que a Gazeta do Povo já havia levantado essa possibilidade ao comentar o encontro entre Lula e Trump na Malásia: “Ninguém pode excluir de antemão a possibilidade de uma redução nas tarifas, mesmo sem recuos da parte do STF e de Alexandre de Moraes, se Trump considerar que isso é conveniente – por exemplo, se a redução no fluxo de produtos brasileiros tiver efeitos inflacionários ou afetar cadeias de produção nos EUA”.

Entre conter a inflação – ainda mais com eleições parlamentares em 2026 – e tentar salvar Bolsonaro, Trump fez a escolha lógica: rifar o brasileiro para não prejudicar as chances de seu partido nas midterms

Desde a primeira aplicação das tarifas ao setor produtivo brasileiro, consideramos que elas eram equivocadas – não porque discordássemos da sua avaliação quanto à ação liberticida e perseguidora do Supremo, mas porque avaliávamos que não se tratava de um caso que justificasse a aplicação de sanções a um país inteiro. “Elas nos parecem mais adequadas quando o Poder Executivo é diretamente responsável pelas políticas condenáveis (como no caso do apartheid sul-africano ou do programa nuclear iraniano), ou quando o setor produtivo está umbilicalmente ligado ao governo, como no caso de regimes socialistas ou oligarquias autoritárias como a russa”, escrevemos na mesma ocasião, ressaltando que nenhum desses casos se aplicava ao Brasil e que aplicar sanções individuais aos responsáveis pela perseguição seria muito mais razoável que punir toda a economia brasileira. Assim, é com bons olhos que vemos uma decisão que traz alívio a pelo menos parte do setor produtivo nacional.

Era fácil imaginar que as tarifas teriam efeito inflacionário, e que neste caso uma reversão era previsível; até por isso, não se pode desqualificar como “engenheiros de obra pronta” aqueles que apontarem o equívoco daquela parte dos brasileiros que, mesmo com muita boa fé, apoiaram a imposição de tarifas ou mesmo trabalharam diretamente para sua aplicação. Justamente quando as opiniões bandidólatras de Lula sobre a Operação Contenção revertiam a recuperação de sua popularidade (recuperação essa devida, em parte, à reação populista ao tarifaço), o petista ganha outro presente, que ele e vários outros petistas e membros do governo já começaram a aproveitar, podendo dizer que as ações da diplomacia brasileira levaram ao cancelamento das tarifas – a ordem executiva assinada por Trump de fato menciona tanto o encontro com Lula na Malásia quanto as negociações posteriores sobre as tarifas.

VEJA TAMBÉM:

Como lembramos logo depois de Trump sancionar Alexandre de Moraes com as penalidades previstas na Lei Magnitsky, lembramos que “não é uma cavalaria em branco, azul e vermelho, capitaneada por Donald Trump e Marco Rubio, que salvará o Brasil e devolverá a democracia ao país”. O cancelamento das tarifas norte-americanas sem que houvesse um milímetro de recuo no liberticídio brasileiro é um lembrete de que, para Trump, a prioridade sempre será o país que ele foi eleito para governar; qualquer discurso ou ação que venha de fora será apenas apoio a uma tarefa que é apenas dos brasileiros: insistir em uma luta árdua pelo fim da autocracia judiciária e pela redemocratização do Brasil.