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A geopolítica latino-americana tem seus ciclos. E, como nas tragédias repetidas, as ideias ruins sempre retornam fantasiadas de novidade. A mais recente é a proposta do presidente colombiano Gustavo Petro de ressuscitar a “Gran Colômbia”. Para disfarçar seu significado nocivo, ele pinta a proposta como um projeto de “integração ao estilo da União Europeia”.
O discurso parece moderno, cooperativo e até sedutor para quem olha de longe. Mas basta raspar a demão de tinta fresca do marketing para ver as reais intenções do presidente, que tem se mostrado cada vez mais disposto a implodir a Colômbia e a região. Por trás do delírio de Petro está a reencarnação do plano bolivariano que Hugo Chávez tentou impor ao continente duas décadas atrás.
Por trás do disfarce da independência e da integração, está um plano de incorporação, dominação e implosão da soberania da própria Colômbia, mas também dos países que são alvos do plano de anexação: Venezuela, Panamá e Equador. Além disso, avança sobre partes do Peru, Costa Rica, Nicarágua e do Brasil — mais especificamente, do estado do Amazonas.
A “Gran Colômbia” de Petro, como a de Chávez, não é um espaço de soberanias compartilhadas, mas de soberanias dissolvidas. A diferença é essencial: a União Europeia funciona porque os países que a compõem mantêm instituições robustas, regras claras e equilíbrio entre interesses nacionais e regionais. Há limites, há freios, há mecanismos de saída. A integração europeia nasceu da abundância de Estados consolidados, democracias maduras e economias complementares.
O projeto de Chávez, que Petro quer implementar, nasce como mecanismo de autoproteção de regimes como o de seu comparsa Maduro e da estrutura criminosa que dá suporte ao regime venezuelano, a qual domina porções significativas do território, da economia e da política na Colômbia. E, como qualquer empreendimento construído sobre a instabilidade, a solução proposta é amarrar todos dentro do mesmo barco.
A narrativa é conhecida. Chávez descrevia seu projeto como uma alternativa fraterna ao neoliberalismo; Petro o vende como forma de superar a fragmentação colonial. Mas, na prática, o objetivo é o mesmo: criar um bloco supranacional no qual a liderança, por definição e por geografia, devoraria os vizinhos, tirando-lhes autonomia e soberania em nome de um projeto revolucionário que tem como alicerces o autoritarismo e o crime.
Por isso, a referência enganosa à União Europeia. A metáfora funciona bem no X, mas, na vida real, o que se vê é outra coisa: um modelo muito mais próximo da velha URSS, onde o centro ditava a norma e os demais satélites orbitavam, obedientes, em torno do sol ideológico.
Quando Petro afirma que fronteiras devem ser “uma formalidade”, ele não está imaginando um espaço de livre circulação de bens e pessoas, mas uma esfera política unificada sob o comando autocrático de seu grupo ideológico. A promessa de “integração energética, ambiental e produtiva” seria o pretexto perfeito para justificar interferências diretas nos assuntos internos dos países afetados.
E aqui aparece o maior risco: Petro não fala sozinho.
Chávez tentou esse projeto com petróleo, dólares e carisma revolucionário. Petro tenta com culpa climática, discurso de justiça global e um progressismo que se apresenta como inevitável. E não está isolado
Setores da esquerda latino-americana, especialmente seus ramos mais ideológicos, veem na integração forçada uma maneira de blindar governos amigos contra as alternâncias democráticas — essas que, em geral, interrompem sonhos revolucionários no meio do caminho.
A suposta estratégia para proteger a soberania da região contra os Estados Unidos é a mais pura enganação. É ilusório imaginar que uma “Gran Colômbia” administrada por personagens da categoria de Gustavo Petro e Nicolás Maduro respeitaria as particularidades nacionais. Basta lembrar o comportamento recente de Bogotá ao interferir na política venezuelana, peruana e até brasileira, sempre com o argumento de “solidariedade latino-americana”. Em outras palavras, Petro já opera como se fosse o porta-voz de uma federação que ainda não existe. Fala por Maduro, embora finja não ser sua muleta.
A “Gran Colômbia” de Petro-Maduro, assim como a “Pátria Grande” de Chávez, ignora a pluralidade da região, atropela democracias frágeis e substitui o diálogo pela centralização. Petro sonha com um bloco homogêneo, disciplinado, submisso à sua visão ideológica — não com um continente de nações livres que decidem cooperar.
A União das Repúblicas Socialistas de Petro poderia ser só mais um delírio. Mas, na América Latina, os delírios são a realidade. O continente é fecundo nesse tipo de política, fruto da ilusão e que inevitavelmente termina em tragédias.
