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Nos últimos anos, as universidades brasileiras vêm registrando uma escalada nos incidentes de perseguição aos judeus. Em novembro de 2023, por exemplo, professores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) impediram alunos judeus de se manifestarem em debate sobre Hamas e Israel.
Em maio de 2024, a Universidade Estadual do Ceará (Uece) realizou seu vestibular para selecionar alunos para o segundo semestre. Para uma pergunta sobre o custo humano na Segunda Guerra Mundial, considerou correta a seguinte resposta: “O extermínio de judeus foi uma decisão antieconômica na medida em que sua mão de obra escrava poderia ter sido mais bem explorada pelos alemães”. Depois da reação de Matheus Alexandre, estudioso de antissemitismo, e da Confederação Israelita do Brasil (Conib), a instituição anunciou que a questão seria anulada.
Na mesma época, estudantes da Universidade de São Paulo (USP) ocuparam o prédio de História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), para protestar contra Israel. Em novembro, o campus Benfica da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza, foi invadido por manifestantes, muitos deles usando máscaras.
Eles interromperam um evento cujo tema era: “Entre a barbárie e o messianismo: perspectivas para o dia seguinte na atual crise do conflito palestino-israelense”. Por volta de 60 pessoas acompanhavam os debates fazia 30 minutos quando a programação precisou ser suspensa. “Foi uma clara forma de censura autoritária a um evento que era aberto a todos e que garantia pluralismo das posições”, disse, na época, o coordenador do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (PPGS), Fabio Gentile.
Já em dezembro do ano passado, veio a público a informação de que a Fundação São Paulo (Fundasp), mantenedora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vinha investigando, a pedido da Federação Israelita de São Paulo, acusações de perseguição contra estudantes e dois professores que se declararam sionistas, ou seja, o direito de os judeus terem seu próprio Estado. Posteriormente, a instituição informou que não encontrou motivos suficientes para punir os investigados.
Agressões e cancelamentos
Mais recentemente, em novembro de 2025, alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) protestaram contra a visita do cientista político judeu André Lajst, presidente da ONG Stand With Us. Ele foi impedido de falar aos gritos de “não se escuta genocida”. Em outra ocasião, quando tentou participar de eventos na Universidade Federal do Amazonas, Lajst foi ameaçado e precisou sair do local sob escolta. Outros eventos de que ele participaria também já foram cancelados em decorrência de ameaças.
Também recentemente, em setembro, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) rompeu de forma unilateral um acordo com o Instituto de Israel de Tecnologia (Technion), cujo objetivo era incentivar a cooperação acadêmica por meio de projetos de pesquisa em comum e intercâmbio de docentes e pesquisadores. O instituto foi fundado em 1912 e é reconhecido pela qualidade da formação de cientistas e engenheiros.
Logo no mês seguinte, a UFC cancelou o acordo de intercâmbio e colaboração acadêmica com a Universidade Ben-Gurion, de Israel. Nos dois casos, o pretexto foi protestar contra o “genocídio em curso” na Faixa de Gaza.
Ataques em alta
Os casos de intolerância e perseguição a judeus seguem em alta, como atesta o mais recente relatório anual sobre antissemitismo no Brasil, produzido pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB) em parceria com a Federação Israelita do Estado de São Paulo (FISESP): em 2024, o Brasil registrou, em média, 4,9 denúncias por dia, contra 3,9 em 2023. Foram 1.788 denúncias, contra 1.410 no ano anterior – e 397 em 2022, média de 1,1 por dia.
Para o pesquisador Matheus Alexandre, o mundo vive hoje o que pode ser descrito como uma epidemia de antissemitismo. “Da Europa aos Estados Unidos, da Austrália ao Brasil, judeus enfrentam a maior onda de hostilidade sistemática desde o fim da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, apenas nos últimos dois anos, sinagogas foram depredadas, cemitérios judaicos atacados, estudantes e pesquisadores judeus assediados, e discursos abertamente preconceituosos contra judeus passaram a circular com crescente naturalidade na esfera pública, sobretudo nas redes sociais”.
Os ataques diretos a Israel atualizam a estratégia utilizada historicamente, ele diz. “O movimento antissionista carrega uma responsabilidade central, na medida em que atualiza a gramática histórica do antissemitismo sob a forma de oposição a Israel e ao sionismo e, por consequência, direciona essa hostilidade aos próprios judeus que se identificam com esse país e com esse movimento”.
Rigor intelectual e prudência
Nas universidades, esse fenômeno tende a se manifestar de forma ainda mais acentuada, ele aponta. “Casos de assédio moral, intimidação e silenciamento de estudantes, professores e pesquisadores judeus tornaram-se recorrentes em determinados contextos acadêmicos. Predomina, nesses espaços, uma militância de esquerda que opera a partir de um vocabulário fortemente moralizado, no qual o antissemitismo não se apresenta como preconceito, mas como virtude política. Estamos diante de um antissemitismo virtuoso: um regime moral que exclui judeus do campo da empatia legítima ao associá-los a um suposto mal absoluto (Israel), convertendo o silenciamento de suas vozes em um gesto ético em nome de uma suposta luta universal contra o colonialismo”.
Alexandre, que denunciou as questões do vestibular da Uece, estava presente no debate interrompido na UFC, em novembro de 2024. Não foi um caso isolado, diz. “Já fui alvo de tentativas de silenciamento por parte de grupos radicais no próprio departamento em que curso meu doutorado. Infelizmente, isso deixou de ser algo excepcional para judeus e para pesquisadores que se recusam a renunciar à complexidade analítica e a se alinhar automaticamente à cartilha antissionista hoje hegemônica em certos setores da academia”, diz ele. “Minha estratégia para continuar falando e resistir a esse autoritarismo, sem colocar minha integridade física em risco, tem sido combinar rigor intelectual, prudência estratégica e respaldo institucional”.
O especialista detalha suas estratégias: “Rigor intelectual para sustentar argumentos bem fundamentados, evitando simplificações, slogans e caricaturas que alimentam a polarização do debate. Prudência estratégica para escolher onde, como e com quem falar, compreendendo que nem todo confronto é produtivo. E respaldo institucional para não enfrentar esse cenário de forma isolada: contar com a comunidade judaica e com as redes acadêmicas das quais faço parte é fundamental tanto para garantir segurança física quanto para transformar essas experiências em diagnósticos intelectualmente respeitáveis. O silêncio é um privilégio dos que não tem nada a perder”.


