Contradições do governo Lula, ausência de líderes e problemas locais levam descrédito à COP
Lula em visita ao Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) de Ilha Grande, em Belém (PA), sede da COP 30 (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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O discurso proferido na COP 30 sobre a Amazônia foi uma peça de marketing exemplar. Tratou-se de uma narrativa cuidadosamente construída para apresentar o Brasil não como ele é, mas como o poder deseja que ele seja visto: o herdeiro predestinado da floresta e, por consequência, o guardião moral do planeta. O problema fundamental dessa abordagem é que, mais uma vez na história nacional, a retórica se sobrepôs aos fatos – a encenação, ao argumento; e a imagem, à virtude.

Essa transformação da política em espetáculo não é ingênua. Ela serve a um projeto de poder que instrumentaliza a causa ambiental para legitimar sua agenda no palco internacional. Ao se posicionar como a “nação-floresta”, o Brasil oficial cria para si um disfarce moral – uma conveniente cobertura verde para suas insuficiências crônicas: um Estado que sufoca a iniciativa privada, a insegurança jurídica que afugenta investimentos e uma carga tributária que penaliza quem produz. A selva, nesse contexto, deixa de ser um ecossistema complexo a ser gerido com racionalidade e passa a ser um símbolo a ser explorado politicamente.

A verdadeira soberania e a genuína proteção ambienta, na Amazônia e em todo país, não nascerão de discursos para a plateia internacional, mas de um ambiente de segurança jurídica, liberdade econômica e respeito à propriedade privada

Essa dissociação entre o Brasil oficial e o real nos remete, por ironia, ao Major Quaresma de Lima Barreto – o patriota que, em sua busca por um país autêntico, se perdeu em idealizações como a do tupi como língua nacional. O governo atual encarna um Quaresma às avessas: não busca um Brasil real, mas constrói um país imaginário para exportação. A língua dominante não é o tupi, mas a do poder – calculada, performática e muito menos interessada na verdade do que na aparência de significado.

A realidade, como lembrariam pensadores como João Cruz Costa e Gilberto Freyre, é infinitamente mais complexa do que a narrativa oficial permite ver. O Brasil nunca foi um bloco único, mas uma colagem de influências. Nossa identidade é o resultado de uma fusão mestiça que atravessa séculos: a formalidade lusitana, a resiliência africana, a sabedoria indígena e o tino comercial dos sírios e libaneses. Reduzir essa confluência múltipla a um único símbolo – a floresta, a Amazônia – não é apenas um erro histórico, é um empobrecimento deliberado de quem somos.

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O Brasil não fala da floresta; fala de si mesmo. A Amazônia ou a selva se torna um espelho onde se projeta um mito político. Enquanto o discurso floresce para as câmeras, a verdadeira nação – aquela do trabalho, do improviso e da negociação diária – aguarda silenciosa, à margem do espetáculo.

Quando os aplausos se esvaem e as câmeras se desligam, o país real permanece, com seus desafios urgentes que não se resolvem com narrativas. A lição é clara: um país que se apaixona pela própria imagem, em detrimento da verdade, renuncia à responsabilidade de construir um futuro sólido. A verdadeira soberania e a genuína proteção ambienta, na Amazônia e em todo país, não nascerão de discursos para a plateia internacional, mas de um ambiente de segurança jurídica, liberdade econômica e respeito à propriedade privada. É no murmúrio mestiço e produtivo das ruas – e não na retórica vazia dos palanques – que reside a verdadeira força do Brasil.

Carlos Henrique Gileno é professor do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras, campus de Araraquara. Autor dos livros Lima Barreto e a condição do negro e do mulato na Primeira República (1889–1930). São Paulo: Editora Annablume, 2010; e Perdigão Malheiro e a crise do sistema escravocrata e do Império (1822–1889). São Paulo: Editora Annablume, 2013.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos