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Irmãos rio-bonitenses,
Eu vi — todos vimos — as imagens da sua terra: uma cena de bombardeio, uma cidade rasgada de alto a baixo, telhados arrancados, paredes fraturadas, ruas desfiguradas. No entanto, diante da visão dantesca, por algum motivo, busquei na calamidade os traços da salvação.
Foram apenas quarenta segundos, menos de um minuto sem misericórdia. A terra permaneceu, mas tudo que estava em cima foi levado. E ainda assim, vocês estão aí: com o coração ferido, mas de pé. Em pé. Levantados do chão.
Foi por isso que resolvi escrever. Diante da força de um povo que se reergue, o mínimo que se pode fazer é ficar em silêncio e, depois, escrever com o coração nas mãos.
Voltei no tempo. Lembrei-me de quando estive aí perto, na região do Cantuquiriguaçu, vinte e dois anos atrás. Fui enviado como repórter para cobrir uma pauta sobre o futuro da região — e nunca mais esqueci o lugar. Havia pobreza, sim. Mas havia acolhimento. Aquelas conversas amenas, o sotaque do interior, o cheiro de café, o velho fogão, a passarada, as histórias dos pioneiros e, sempre ao fundo, o som do rio, sabedor de tudo antes da gente.
Rio Bonito do Iguaçu. Que nome! Um nome que parece ter sido escrito para permanecer. Um nome com promessa dentro: rio, bonito, Iguaçu — palavras de água, beleza e origem. Agora o nome está ferido, mas não foi arrancado. Continua aí, como vocês: de pé. Em pé. Ressurgido dos escombros.
Na hora do tornado, a igreja estava cheia. Era noite de missa. Os fiéis rezavam, alguns em silêncio, outros cantando. O vento veio sem aviso, empurrou as paredes do templo, arrancou parte do teto — mas ninguém ali dentro se feriu. Uma graça dentro do terror. A igreja ficou ferida, mas o povo saiu vivo.
Seis pessoas morreram naquela noite. Entre elas, uma menina de 14 anos, que se preparava para receber o sacramento da Crisma. Mas talvez o que se salvou naquela igreja — mesmo com o teto rasgado — tenha sido mais do que os corpos. Salvou-se a fé, que é sempre mais forte quando trememos. A cidade ficou como a igreja: ferida, mas viva.
Enquanto escrevo estas linhas, estou numa casa firme, com paredes ao redor, teto no lugar e luz acesa. Tenho água limpa, comida no armário e silêncio no quarto ao lado. E penso em vocês — irmãos rio-bonitenses — que nesta mesma hora estão em ginásios, em casas emprestadas, em quartos improvisados, tentando entender o que restou. Só o amor ao próximo, como escreveu Santo Agostinho, pode nos tirar desse abismo entre o conforto e a calamidade. É nele que a cidade pode renascer.
E vai renascer. Não porque as autoridades prometeram, mas porque vocês já estão de pé. O nome de vocês não foi levado. O Brasil inteiro — do Paraná à fronteira invisível do Norte — está abraçando Rio Bonito do Iguaçu. Um abraço feito de ajuda, de oração, de respeito.
Rio Bonito do Iguaçu. Digo devagar, no ritmo de uma prece. Digo como quem recolhe os cacos e nomeia um por um. Digo para lembrar que nenhum vento, por mais forte que seja, consegue apagar um nome que nasceu da terra, do rio e do povo. Digo para que todos ouçam — e se lembrem.
Rio Bonito do Iguaçu. Cidade com nome de nascente, com gente que não se entrega, com fé que não cede, com as paredes feridas e a alma intacta. Que os dias vindouros tragam casa, pão e consolação. Que a saudade dos que partiram seja guardada com flores e memórias. Que o amor ao próximo — esse milagre que se faz com as mãos — seja o novo alicerce de tudo.
Eu me despeço dizendo o nome de vocês, com um novo sobrenome:
Rio Bonito do Iguaçu, Rio Bonito do Brasil.
