
Ouça este conteúdo
A megaoperação no Rio de Janeiro, com ao menos 120 mortos e mais de uma centena de prisões, é um retrato brutal de um país que há décadas convive com a corrosão de sua autoridade. O Estado brasileiro, leniente e omisso, permitiu que o crime organizado se transformasse em poder paralelo. O drama carioca não é uma tragédia isolada. É a consequência direta de anos de complacência, permissividade e cumplicidade institucional diante do avanço do narcotráfico.
A ação conjunta de 2,5 mil policiais civis e militares contra o Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha revelou o grau de militarização das facções criminosas. A reação foi a esperada: fogo pesado, barricadas, drones lançando bombas, pânico generalizado. O Estado, que por tanto tempo se ausentou dessas comunidades, agora precisa entrar nelas com blindados. E quando o faz, os ideólogos, militantes e intelectuais de gabinete apressam-se em repetir os velhos slogans: “massacre”, “chacina”, “genocídio”. Mas o que esses termos escondem é a incapacidade de encarar a realidade. O verdadeiro genocídio é o das famílias pobres condenadas a viver sob o jugo do tráfico, sem liberdade, sem segurança, sem paz.
A cada operação, exige-se da força pública um padrão de perfeição impossível em um ambiente de guerra urbana. Exige-se que o policial arrisque a vida, mas não se admite que ele reaja
É uma tragédia. Nenhuma operação deve banalizar a vida. Mas é igualmente irresponsável transformar criminosos armados de fuzis em vítimas da sociedade. O combate ao crime não é uma escolha moral entre o bem e o mal absolutos, mas uma exigência de sobrevivência social. O Estado que abdica de reprimir o crime perde o direito de se chamar Estado. A omissão, como já adverti em outro contexto, é uma forma de cumplicidade.
A leniência com o crime organizado é o maior escândalo silencioso do Brasil contemporâneo. O poder público, por covardia, ideologia ou conveniência, tem fechado os olhos ao domínio territorial das facções. No Rio, comunidades inteiras vivem sob leis próprias, impostas por bandos armados que executam, punem e cobram impostos. Essa degradação institucional é fruto direto de duas ausências: a ausência do Estado como provedor de serviços e a ausência da autoridade como garantidora da ordem. Quando o Estado se retira, o tráfico ocupa. E, quando tenta voltar, é recebido a tiros.
A complacência jurídica e política alimentou esse monstro. Decisões judiciais que restringem operações policiais em áreas dominadas pelo crime, como as do ministro Edson Fachin, criaram uma espécie de salvo-conduto para a bandidagem. A polícia, desmoralizada e engessada por regras impraticáveis, tornou-se alvo fácil de críticas e emboscadas. A cada operação, exige-se da força pública um padrão de perfeição impossível em um ambiente de guerra urbana. Exige-se que o policial arrisque a vida, mas não se admite que ele reaja. A inversão de valores chegou ao limite.
VEJA TAMBÉM:
Não há democracia possível onde o crime é soberano. O Rio de Janeiro, laboratório trágico dessa anomia, vive um colapso moral e institucional. As facções não apenas controlam territórios, mas impõem códigos de conduta, toques de recolher e punições sumárias. Impedem moradores de visitar familiares em áreas rivais, controlam o comércio e a circulação. É um Estado paralelo em funcionamento – e, pior, tolerado por uma parcela da elite política e intelectual que prefere denunciar o “excesso policial” a enfrentar a causa real da violência.
A cooperação entre governos e forças de segurança, tão alardeada, continua frágil. Na megaoperação de 28 de outubro, as forças fluminenses agiram praticamente sozinhas. A ausência de uma coordenação nacional contra o crime organizado é mais uma expressão da nossa paralisia federativa. Enquanto o tráfico é uma empresa multinacional, o Estado brasileiro ainda se comporta como um conjunto de feudos desarticulados. É preciso integrar inteligência, cortar fluxos financeiros, endurecer penas e acabar com as portas giratórias das delegacias, de onde o criminoso sai antes do policial que o prendeu.
O cidadão comum está farto do discurso das cátedras e das ONGs. Ele quer segurança, lei e ordem. Quer o direito elementar de viver sem medo
O combate ao crime é uma demanda legítima e urgente da sociedade. Três em cada quatro brasileiros vivem em áreas onde o crime organizado está presente. Um em cada quatro afirma que facções impõem regras de comportamento em seu bairro. Esses números são intoleráveis. O cidadão comum – o trabalhador que pega ônibus às cinco da manhã, a mãe que teme o filho aliciado pelo tráfico – está farto do discurso das cátedras e das ONGs. Ele quer segurança, lei e ordem. Quer o direito elementar de viver sem medo.
É evidente que a polícia deve agir dentro da lei. Nenhum excesso deve ser tolerado. Mas também é evidente que a lei precisa proteger quem a defende. A sociedade brasileira não pode continuar refém de um sistema penal frouxo, de um Judiciário que legisla a favor da impunidade e de um discurso ideológico que desarma moralmente a ação do Estado. A paz não se conquista com conivência, mas com autoridade e justiça.
A sociedade brasileira clama por segurança, não por slogans. A esperança só renascerá quando a autoridade do Estado se fizer presente em cada rua, em cada morro, em cada esquina onde hoje reina o medo. Recuperar o território, física e moralmente, é mais do que uma tarefa policial. É uma missão civilizatória.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos
