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Lula interrompeu sua presença numa cúpula esvaziada para marcar presença em outra cúpula esvaziada. De Belém para a Colômbia, da COP 30 para a Celac, o presidente brasileiro vai trilhando sua agenda fantasiosa. Sua madrinha nesse périplo é a imprensa, que faz a gentileza de não lhe dirigir as perguntas inevitáveis.
Qual foi a última vez que você viu Lula cercado de microfones sob pressão de questionamentos incisivos ao vivo? Se você achar que foi no mensalão, é possível que a sua memória não esteja te traindo. O escândalo do mensalão estourou há 20 anos. E o escândalo do venezuelão está acontecendo agora.
Mas a imprensa não trata mais escândalo como algo escandaloso (dependendo dos envolvidos, claro). Segundo a OEA e o Carter Center, Maduro fraudou sua reeleição e se impôs como presidente ilegítimo e ditatorial por meio da violência. Lula, Amorim e seus porta-vozes tratam Maduro como um parceiro leal. E a imprensa não está nem aí para esse compromisso hediondo.
O papel melancólico da imprensa - não só a brasileira - é o sinal evidente da decadência da elite intelectual
O presidente brasileiro deixou a cenografia da COP 30 para uma aparição na cenografia da Celac - ao lado de Gustavo Petro, uma espécie de Alberto Roberto colombiano. Com os dois países impregnados por facções do crime organizado, eles fizeram um dueto pacifista para inglês ver. Nem inglês viu, pelo menos ao vivo, porque até a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, cancelou sua participação - sendo que uma das razões essenciais da cúpula era o diálogo entre América Latina/Caribe e Europa.
Alberto Roberto é o imortal ator canastrão interpretado por Chico Anysio. Até ele ficaria encabulado de meter esse papo de “continente pacífico” para fazer a defesa dissimulada do regime brutal de Maduro. Quando anunciou sua decisão de ir à Colômbia, Lula disse que era preciso reprovar a presença militar norte-americana no Caribe, exaltando a soberania venezuelana. Uma vez lá, acabou preferindo não mencionar especificamente o conflito. Ainda assim, a imprensa tradicional continuou se recusando a confrontar esse “pacifismo” em defesa de um ditador violento.
O papel melancólico da imprensa - não só a brasileira - é o sinal evidente da decadência da elite intelectual. Ela decidiu que não quer permitir a ascensão dos movimentos legítimos de representação popular, potencializados pela inclusão da internet. E apostou tudo nessa resistência coreográfica ao fascismo imaginário, transformando figuras como Lula em pilares da democracia.
Haja rebolado retórico. Durma-se com um barulho desses na rave amazônica.
