Ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva: período em que PT ficou fora do governo contribuiu para reduzir parceria comercial entre os países
Ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva: período em que PT ficou fora do governo contribuiu para reduzir parceria comercial entre os países. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Em uma década, a Venezuela caiu de quarto principal importador de produtos do agro brasileiro para a 29.ª posição no ranking. A mudança nas relações comerciais reflete diretamente a situação trágica pela qual passa a economia do país vizinho.

Sob a ditadura de Nicolás Maduro, a Venezuela enfrenta há anos uma crise socioeconômica sem precedentes, à qual se soma agora um quadro de tensão militar e geopolítica com os Estados Unidos.

Em 2014, o mercado venezuelano importou US$ 2,98 bilhões em produtos do agro brasileiro, valor inferior apenas aos de China (incluindo Hong Kong), Estados Unidos e Rússia. As compras venezuelanas representavam 3,9% do comércio exterior do agronegócio do Brasil naquele ano.

Dez anos depois, em 2024, o valor recuou para US$ 919 milhões (-69%), reduzindo a participação da ditadura sul-americana a uma fatia de apenas 0,6% de todas as vendas externas da agropecuária brasileira. Os dados são dos ministérios da Agricultura e Pecuária (Mapa) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

O setor brasileiro de proteína animal foi o principal a abandonar o mercado venezuelano. Ao longo de uma década, as vendas para o país vizinho recuaram de 364,3 mil toneladas para 5,2 mil toneladas, uma queda de 98,6%. O valor total das exportações de carnes no ano passado (US$ 13 milhões) representou apenas 1% das receitas de dez anos atrás (US$ 1,3 bilhão).

As vendas de carne de frango para a Venezuela recuaram de 200 mil toneladas em 2014 para somente 927 toneladas em 2024, enquanto as de carne bovina, de 160,3 mil toneladas para 723 toneladas, conferindo uma retração de 99,5% em ambos os mercados.

No caso de animais vivos, com exceção de pescados, o Brasil, que exportou 248,3 mil toneladas para a Venezuela em 2014, encerrou o ano passado com apenas 25 toneladas vendidas para o país (-99,9%).

Outro setor importante no comércio bilateral era o de produtos lácteos, que viu os embarques brasileiros despencarem de 39,2 mil toneladas para 2,2 mil toneladas (-94,3%) em dez anos.

De outro lado, dispararam as exportações de itens de menor valor agregado, como cereais (+162,5%), óleo de soja (+718%) e preparações à base de cereais (+183,6%), três dos principais itens enviados pelo Brasil à Venezuela atualmente, junto com o açúcar, que teve um recuo de 45,1% no volume de vendas em dez anos.

Além do agravamento da crise no país de Maduro, o afastamento de Brasília e Caracas no campo comercial também é atribuído por analistas à mudança no governo brasileiro a partir do impeachment de Dilma Rousseff, que deu fim a um período de 14 anos de mandatos do PT, aliado da ditadura chavista.

“Com a mudança de governo no Brasil, em 2016, houve também alterações de entendimentos bilaterais com a Venezuela, afetando diretamente os resultados comerciais”, explicam os pesquisadores Pedro Silva Barros, Raphael Camargo Lima e Helitton Christoffer Carneiro, em artigo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“A primeira delas foi a redução dos contatos bilaterais político-diplomáticos com o país. A segunda, derivada da anterior, foi a redução da complacência brasileira com relação às dívidas da Venezuela com o Brasil, em especial por parte de autarquias, como o Banco Central do Brasil [BC] e o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social].”

Durante vários anos, as exportações brasileiras para a Venezuela foram viabilizadas por meio do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), sistema criado para facilitar o intercâmbio comercial em um contexto de escassez de divisas envolvendo os bancos centrais de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e República Dominicana.

Caso algum país deixe de honrar algum compromisso, o CCR determina o acionamento do Programa Automático de Pagamento (PAP), que estabelece um parcelamento do valor devido em quatro prestações mensais.

Em 2017, o BC decidiu suspender os registros de operações com a Venezuela no âmbito do CCR após recorrentes atrasos no pagamento da dívida do país com o Brasil – entre 2017 e 2018, o Tesouro Nacional teve um déficit de R$ 1,38 bilhão devido aos repasses do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) para importadores do país vizinho que deixaram de pagar as parcelas de empréstimos.

Em abril de 2019, o BC tomou uma decisão de política externa inédita, quando se retirou de forma unilateral do CCR. “Entre os fatores presentes na exposição de motivos, a Venezuela foi o motivo primordial”, citam os autores do artigo do Ipea.

A crise venezuelana já vem do início dos anos 2000, ainda na gestão de Hugo Chávez, mas agravou-se a partir de 2015 com uma redução na produção de petróleo, base da economia do país, em razão da falta de manutenção e investimento e da queda na cotação do produto.

Apesar de a Assembleia Nacional ter declarado crise humanitária de saúde em 2016, o governo negava o problema e reprimiu violentamente a oposição, levando a um saldo de 5.287 homicídios pelas Forças de Ação Especial do país até 2017, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Além da violação de direitos humanos, o regime, sob acusações de impor uma assembleia constituinte controlada pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), usurpar atribuições do Legislativo e antecipar eleições presidenciais consideradas ilegítimas, passou a sofrer sanções internacionais, principalmente dos Estados Unidos.

De acordo com a Pesquisa Nacional sobre as Condições de Vida (Encovi), em 2017, em razão da falta de nutrição adequada, cerca de 75% da população perdeu, em média, 8,7 kg (19,4 libras). Em 2021, 95% da população vivia na pobreza, dos quais 77% estavam em situação de pobreza extrema – o maior índice já registrado no país.

A inflação local foi estimada em 26% em maio pelo Venezuelan Finance Observatory (OVF) – o país não divulga dados oficiais da variação de preços desde o ano passado.

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