
Ouça este conteúdo
O governo Lula (PT) acusou nesta segunda-feira (10) o deputado Guilherme Derrite (PP-SP) de tentar restringir o trabalho da Polícia Federal em investigações contra organizações criminosas no relatório para o projeto de lei antifacção. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que o parecer é um “salvo-conduto” para o crime organizado e pode impedir a atuação da PF, inclusive, em investigações contra parlamentares.
"O que é matador, pra mim, é retirar a PF da investigação de organizações criminosas. Se o relatório do Derrite estivesse valendo na Operação Carbono, a PF teria que pedir autorização ao governo de São Paulo [para investigar as facções]”, disse a ministra em entrevista à GloboNews.
Apesar de incorporar os crimes praticados por facções à Lei Antiterrorismo, o que ampliaria a atuação federal, o relatório de Derrite direciona a investigação para a Polícia Civil. Além disso, a participação da PF nas investigações estaria condicionada à autorização dos governadores. Em nota, a corporação disse acompanhar "com preocupação" as alterações no parecer. (Veja abaixo)
“[O parecer] é um salvo-conduto às organizações criminosas, vai se tornar uma lei da blindagem, da bandidagem. Não sei qual a intenção [de Derrite] por trás disso. Pedi ao presidente Hugo Motta para conversarmos ainda hoje, falar da minha preocupação", acrescentou Gleisi.
Enquanto a gestão petista tentou reforçar a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) no texto original do PL antifacção, Derrite propôs enquadrar os atos mais graves desses grupos em um novo artigo (Art. 2º-A) da Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016).
A expectativa é que Derrite apresente uma nova versão do substitutivo nesta noite. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), está reunido com o relator e com o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, para discutir o tema.
"Intermediei um diálogo entre o deputado Derrite e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, com a finalidade de garantir que a PF manterá suas atribuições nas investigações contra o Crime Organizado", disse Motta no X.
"Presente de Natal" para facções, diz secretário sobre parecer de Derrite
Os secretários do Ministério da Justiça Mário Sarrubbo (Segurança Pública) e Marivaldo Pereira (Assuntos Legislativos) disseram que a proposta do deputado da oposição é “inconstitucional” e será um “presente de Natal” para os líderes de facções.
“Na prática, Derrite quer criar barreiras à atuação da PF, condicionando sua atuação ao crivo de governadores estaduais de forma absolutamente inconstitucional. Ele está dando um presente de Natal aos líderes de facções criminosas”, disse Pereira à coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo.
Sarrubbo destacou que o artigo 144 da Constituição “não prevê qualquer limite para a atuação da PF em infrações ‘cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme’”.
O secretário de Nacional de Segurança Pública afirmou que uma norma do próprio MJ autoriza a corporação a “agir de forma integrada com os estados quando o crime investigado tiver repercussão em mais de um estado da federação”, sem necessidade da autorização dos governadores.
Líder do PT tenta vincular relatório de Derrite à “PEC da blindagem”
O líder do governo na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), afirmou que o relatório do Derrite “é uma nova versão da PEC da blindagem ou PEC da bandidagem”. O deputado fez referência a proposta de emenda à Constituição (PEC) 3/21 que pretendia restringir investigações e prisões de deputados e senadores. O texto chegou a ser aprovado pela Câmara dos Deputados, mas foi derrubado pelo Senado após a repercussão negativa.
“O objetivo é tirar força da PF que só poderia atuar contra organizações criminosas mediante provocação do Governador do Estado. Tem muita gente aqui no parlamento com medo dos desdobramentos da Operação Carbono Oculto… Na minha opinião, os mesmos setores da política que defenderam a PEC da Bandidagem se articularam para enxertar nesse tema uma nova forma de blindagem ao tirar força da PF”, enfatizou Lindbergh no X.
PF diz que mudanças representam "verdadeiro retrocesso"
Em nota, a Polícia Federal afirmou que a mudança feita por Derrite "compromete o alcance e os resultados das investigações, representando um verdadeiro retrocesso no enfrentamento aos crimes praticados por organizações criminosas, como corrupção, tráfico de drogas, desvios de recursos públicos, tráfico de pessoas, entre outros".
"Pelo relatório apresentado, o papel institucional histórico da Polícia Federal no combate ao crime — especialmente contra criminosos poderosos e organizações de grande alcance — poderá sofrer restrições significativas", diz o comunicado.
Para a PF, a necessidade de autorização do governador "constitui um risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado".
"É importante ressaltar que, em agosto, a Polícia Federal realizou a maior operação contra o crime organizado da história do país. Pelas regras propostas no relatório em discussão, operações como essa estariam sob ameaça de não ocorrerem ou de terem seus efeitos severamente limitados", destacou a PF.
O que diz o relatório de Derrite sobre a Polícia Federal
No parecer, Derrite adotou a equiparação simetria de lesividade para o crime organizado. Não se trata de classificar facções como "organizações terroristas" em sentido estrito, mas de reconhecer que suas práticas, como o uso de violência para controle territorial e ataques a forças de segurança, produzem efeitos sociais e políticos equivalentes aos atos de terrorismo.
O substitutivo insere o novo Art. 2º-A na Lei Antiterrorismo, tipificando condutas como impor controle social ou econômico mediante violência, restringir a livre circulação de pessoas e bens, e dificultar a atuação das forças de segurança, inclusive mediante barricadas e obstáculos físicos.
O relator também estabeleceu que a PF poderá manter a investigação criminal para os crimes que não estejam previstos no Art. 2º-A. Nestes casos, o processo deve tramitar na Justiça Federal.
Para os crimes tipificados neste dispositivo, que envolvem organizações criminosas, paramilitares ou milícias privadas, a investigação criminal caberá às Polícias Civis, e a competência para processamento e julgamento será da Justiça Estadual.
Essa alteração, segundo o relatório, visa preservar a coerência interna do sistema penal, mantendo a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013) como norma geral de estrutura, mas inserindo as condutas armadas e territorialmente desestabilizadoras na legislação que trata de ameaças à paz pública.
O Ministério da Justiça poderá determinar a atuação conjunta ou coordenada das forças policiais federal e estaduais. No entanto, essa determinação só ocorrerá mediante provocação do governador e em situações de alta complexidade, tais como:
- Repercussão interestadual ou transnacional dos fatos;
- Potencial de afetar a segurança nacional;
- Risco de desestabilizar a ordem pública internacional.