Imposto sobre grandes fortunas - STF - Edson Fachin
O presidente do STF, ministro Edson Fachin, que pautou a ação do Psol: partido pediu que Corte obrigasse Congresso a criar imposto sobre grandes fortunas. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

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Em novembro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para reconhecer que o Congresso Nacional está omisso em regulamentar o “Imposto sobre Grandes Fortunas” (IGF), conforme previsto na Constituição de 1988. A decisão pressiona o Congresso a criar o imposto, embora não tenha estabelecido um prazo para a implementação.

Minha reação inicial foi igual à da maioria dos brasileiros: como não tenho nenhuma grande fortuna, por que deveria me preocupar? Mas percebi que eu estava errado. O sistema econômico de um país funciona exatamente assim: como um sistema. Quando há muito dinheiro em circulação, todos se beneficiam. Quando o dinheiro vai embora, a pobreza tende a aumentar.

Muitos países desenvolvidos, particularmente na Europa, revogaram seus impostos sobre a riqueza nas últimas décadas. No final de 2025, os principais países com legislação específica para um imposto anual sobre o alto patrimônio líquido individual eram Argentina, Bolívia, Colômbia, Espanha, Noruega e Suíça.

Países como Alemanha, Áustria, Dinamarca, França, Espanha, Grécia, Holanda, Índia, Irlanda, Islândia, Itália, Suécia e Tailândia já tentaram o Imposto sobre Grandes Fortunas, mas desistiram. Foram feitas algumas autópsias, revelando que os principais motivos para a revogação desses impostos incluem dificuldades de administração, geração de receita limitada e impactos econômicos negativos, como fuga de capitais e desincentivos ao investimento. Além disso, há ainda outro motivo pouco comentado: por trás de todo grande milionário há sempre um pequeno milionário que é um excelente contador.

Em vez de olhar os ricos como odiosos inimigos públicos, que tal socializar sua fortuna por meio do abatimento de impostos mediante doações filantrópicas para instituições científicas, artísticas e culturais?

A medida surge em um momento de dificuldades para fechar as contas do governo, o que acirra o debate fiscal. O ministro Luiz Fux, do STF, criticou a abordagem de levar a decisão para o Judiciário, em vez da arena política, como citado na Gazeta do Povo.

Em vez do limitado “debate fiscal”, sugiro uma abordagem panorâmica que já funciona na prática em muitos países. A chave está em uma gestão pública inovadora e transparente. Em vez de olhar os ricos como odiosos inimigos públicos, que tal socializar sua fortuna por meio do abatimento de impostos mediante doações filantrópicas para instituições científicas, artísticas e culturais?

Quem vai passear em Nova York adora a riqueza dos museus e teatros, assim como as paisagens cinematográficas do Central Park. Eles não sabem que o orçamento do Central Park é de 74 milhões de dólares por ano, mas a maioria desses recursos vem de doações individuais e não de imposto sobre grandes fortunas.

O sistema de doações filantrópicas nos Estados Unidos é um processo que envolve doadores, organizações sem fins lucrativos e uma estrutura de regulamentações tributárias estabelecida pela Receita Federal dos EUA (IRS). O incentivo fundamental para que o sistema funcione são, evidentemente, as deduções fiscais, tudo sendo impulsionado principalmente por contribuições individuais. As doações provêm de indivíduos (cerca de 66% de todas as doações em 2024), fundações (19% do total) e corporações (7% do total).

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Uma dedução fiscal deve ser feita a uma "organização qualificada". São organizações sem fins lucrativos legalmente obrigadas a operar para o benefício público. Exemplos: organizações religiosas, hospitais sem fins lucrativos, organizações de pesquisa médica, organizações educacionais como museus e universidades, organizações de veteranos militares e corporações sem fins lucrativos como corpos de bombeiros. O Museu de História Natural, a Metropolitan Ópera de Nova York e o maior hospital de câncer dos EUA (MD Anderson) são organizações sem fins lucrativos. Mas não dão lucro? Claro que sim. Mas o lucro não pode ser distribuído a acionistas ou membros individuais de um conselho. Descontados os salários e custos de manutenção, os lucros precisam ser reinvestidos na própria organização.

Resultado: o montante total de doações para instituições filantrópicas em todos os setores nos EUA em 2023 foi de aproximadamente 557 bilhões de dólares, o equivalente a 2,8 trilhões de reais. Sinto vergonha ao escrever isso, mas só para comparar: o PIB do Brasil em 2024 foi de 2,2 trilhões. Ou seja: toda a riqueza que o Brasil produziu em 2024 foi menor do que o total arrecadado por doações filantrópicas nos EUA em 2023. Evidentemente, tudo isso devido a deduções fiscais bem gerenciadas.

Esse tipo de sistema funcionaria no Brasil? Acho muito difícil no momento. Vocês sabem as razões tão bem quanto eu. Seriam necessárias reformas sérias e cirúrgicas, privilegiando uma gestão pública eficiente, inovadora e transparente – além de educação. Os usuais beneficiários da corrupção sistêmica iriam reagir, claro, mas sabemos que todos os países que se desenvolveram, sem exceção, tiveram de tomar essa decisão em algum momento de sua história. Essa é uma diferença fundamental entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior para Inovação e Gestão Pública da ONU em Nova York.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos