
Ouça este conteúdo
Sempre que alguém afirma que o Brasil é um país pobre, não tardam reações indignadas, sustentadas pela crença difusa de que vivemos em uma nação rica. A divergência nasce de um equívoco elementar: de que riqueza estamos falando? Há, em linhas gerais, dois critérios distintos. Um diz respeito aos recursos naturais, dos quais, felizmente, o Brasil é bem servido. O outro, aos bens e serviços produzidos em relação ao tamanho da população e às necessidades humanas ao longo da vida. E é neste último ponto que o Brasil tem derrapado.
Quase nada do que consumimos vem diretamente da natureza. A produção exige trabalho humano e capital físico – infraestrutura, máquinas, equipamentos e instrumentos de produção. A água é um exemplo eloquente. À primeira vista, parece um produto natural, disponível tal como se encontra na natureza. Mas o abastecimento urbano depende de captação, armazenagem, tratamento, distribuição por uma rede complexa e, muitas vezes, resfriamento em residências e estabelecimentos. Um simples copo d’água é, portanto, um produto industrial – cuja quantidade e qualidade refletem o nível tecnológico da infraestrutura e a qualificação de quem a opera.
Já estamos na segunda metade da terceira década do século 21, e o Brasil continua sendo uma das economias mais fechadas do planeta. E essa escolha – reiterada ao longo do tempo – segue como uma das causas estruturais de nosso atraso
É por isso que se deve distinguir riqueza natural de riqueza material. O bem-estar social deriva não apenas dos recursos naturais, mas também da capacidade de trabalho, do estoque de capital físico e do conhecimento tecnológico – tanto das pessoas quanto das máquinas. Sob esse prisma, a afirmação correta é direta: o Brasil é rico em recursos, mas pobre em bens, serviços e infraestrutura disponíveis à população. E é isso que define o padrão médio de vida.
Essa percepção ganhou nitidez após a Segunda Guerra Mundial. O país reconheceu que detinha vastos recursos, mas pouca riqueza produzida para sustentar um alto nível de bem-estar em todas as regiões. Com 52 milhões de habitantes em 1950 – um quarto dos atuais 213,4 milhões de 2025 – difundiu-se, sobretudo com o retorno de Getúlio Vargas ao poder em 1951, a crença de que o Brasil estava pronto para um ciclo acelerado de crescimento e desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, era evidente a forte dependência externa em setores estratégicos – aço, celulose, papel, químicos, máquinas e equipamentos. Havia o temor de que a economia paralisasse sem importações nessas áreas. Ainda assim, o país não se estruturou segundo a lógica da interdependência entre as nações. Prevaleceu o nacionalismo estatizante, hostil à abertura comercial e à integração internacional, sobre os que defendiam ampla inserção no mundo.
O resultado foi um Brasil governado por políticos e burocratas que mantiveram a economia fechada, consolidando um padrão de baixo bem-estar social. A renda por habitante é, ainda hoje, cerca de um terço da registrada pelos últimos colocados entre as 35 nações consideradas desenvolvidas. Juscelino Kubitschek, eleito em 1955, chegou a apresentar o plano “50 anos em 5”, elaborado por Roberto Campos e Lucas Lopes, com 31 metas que poderiam ter alterado o rumo do país, levando-o ao desenvolvimento até o fim do século 20.
VEJA TAMBÉM:
Mas, logo no início de seu governo, JK revelou resistência à integração internacional. Não compreendeu a importância da interdependência entre nações, não abriu a economia, rompeu com o Fundo Monetário Internacional e manteve elevada vulnerabilidade energética. O país só não entrou em colapso maior porque a população – pouco acima de 50 milhões de habitantes – era majoritariamente rural, vivendo e trabalhando com baixa tecnologia e quase sem uso de energia elétrica.
Essa orientação persistiu por décadas. Apenas no governo Fernando Collor o Brasil começou a abandonar a rejeição automática ao exterior e a abrir – ainda timidamente – sua economia. Mesmo assim, seguimos longe de criar condições para um crescimento robusto e para superar o atraso tecnológico por meio da incorporação de inovações produzidas no mundo.
O subdesenvolvimento brasileiro decorre, em boa medida, desse atraso tecnológico e do baixo nível de importação de tecnologia – quadro especialmente grave em plena aceleração da revolução tecnológica global. Trata-se de um resquício cultural da resistência à integração internacional e da incompreensão sobre a interdependência entre as nações. Já estamos na segunda metade da terceira década do século 21, e o Brasil continua sendo uma das economias mais fechadas do planeta. E essa escolha – reiterada ao longo do tempo – segue como uma das causas estruturais de nosso atraso.