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Oliveiras centenárias trazidas clandestinamente da Argentina e destinadas a projetos de paisagismo de alto padrão estão no centro de operações de combate ao contrabando no Sul do Brasil. As árvores são utilizadas amplamente em mansões, condomínios de luxo e grandes empreendimentos imobiliários com preço de venda no mercado regular em aproximadamente R$ 100 mil, cada exemplar.
Apesar da demanda, a legislação proíbe a importação das árvores pelo risco à segurança ambiental e fitossanitária em decorrência da possibilidade de introdução de pragas e doenças inexistentes no Brasil, causadas por bactérias. Por isso, o contrabando das oliveiras entrou no alvo da Receita Federal na fronteira com a Argentina.
Desde de maio de 2024, 51 oliveiras foram apreendidas apenas na região de Dionísio Cerqueira, no extremo-oeste de Santa Catarina. A maioria das ocorrências foi registrada em Dionísio Cerqueira e também em Santo Antônio do Sudoeste no Paraná. A Receita ainda apreendeu árvores clandestinas em Cascavel e Maringá, cidades que estão entre as maiores do interior paranaense.
Oliveiras clandestinas podem ameaçar até produção de azeite
A arquiteta paisagista Pam Faccin explica que a principal preocupação com as árvores clandestinas está na introdução de doenças. "A árvore pode trazer uma bactéria muito nociva que causará impacto não só para a nossa flora nativa, mas também para a agricultura", alerta. Além disso, a doença da oliveira pode causar prejuízos para produtores de azeite no Brasil. "É um mercado que está crescendo muito e as oliveiras ilegais com pragas podem acabar contaminando as oliveiras sadias", completa.
Segundo a paisagista, a disseminação de doenças está diretamente relacionada à circulação internacional de plantas sem controle sanitário. “Inclusive, a entrada de oliveiras vindas da América sem o devido controle sanitário levou essa doença para a Europa”, afirma Pam Faccin. Segundo ela, a doença da oliveira ainda pode atingir outras culturas, como de frutas cítricas, entre elas a laranja e o limão.

Paisagista aponta vaidade no uso de oliveiras e propõe alternativas nativas
Na opinião de Faccin, a valorização das oliveiras no paisagismo está ligada mais à ostentação do que à qualidade estética ou ambiental. "Ter oliveira centenária virou um símbolo de poder e riqueza, mas é uma falsa ideia", afirma. "A maioria dessas oliveiras entra no Brasil totalmente deformada, mutilada. São árvores podadas, praticamente morrendo."
Especialista em flora nativa, Faccin defende o uso de espécies brasileiras no paisagismo. "Existe um monte de árvores mais baratas e lindas no país, como por exemplo a feijoa, espécie nativa do Sul do país. É uma árvore lindíssima, nativa do Paraná. Ela tem uma estética muito parecida com a oliveira, com aquela folha prateada, excelente para o paisagismo", disse a arquiteta.
Para ela, a escolha por espécies nativas contribui para a biodiversidade e reduz impactos ambientais. "O comprador estará colaborando para construir uma paisagem mais brasileira, mais autêntica, colaborando com a nossa biodiversidade."
Fronteira seca facilita entrada irregular das árvores
O delegado da alfândega da Receita Federal em Dionísio Cerqueira, Arnaldo Gonçalves Borteze, explica que a região apresenta características geográficas que facilitam a entrada irregular de mercadorias, com extensa faixa de fronteira seca e áreas de difícil fiscalização.
"Existe uma fronteira seca na nossa região em Santa Catarina com o sudoeste do Paraná, aproximadamente 30 quilômetros. Ao sul, está o rio de Paraguaçu, que é estreito, raso e permite a passagem de mercadorias", explica.
A fiscalização ocorre tanto em pontos de travessia clandestina quanto nas rodovias, com apoio das polícias militares de Santa Catarina e do Paraná, das polícias rodoviárias federal e estaduais, além da Polícia Federal.
Parte das apreensões teve como destino universidades, após autorização do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A Receita Federal encaminhou nove oliveiras centenárias a universidades públicas — quatro à Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e cinco à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) — para uso em paisagismo, pesquisa científica e ações de educação ambiental.

Alta demanda ornamental reforça risco de comércio ilegal de oliveiras
As oliveiras apreendidas são originárias especialmente de regiões produtoras de azeitonas e azeite, na Argentina. O delegado da Receita Federal explica que, à medida que envelhecem, essas árvores passam a ter menor produtividade agrícola. “Em razão disso, são substituídas gradualmente por oliveiras mais novas", afirma.
No Brasil, essas árvores ganham alto valor comercial no setor de ornamentação. "Existe um mercado na área de paisagismo. São árvores centenárias, utilizadas em grandes empreendimentos, principalmente mansões ou conjuntos habitacionais de luxo", comenta Borteze.
A arquiteta Pam Faccin alerta que muitos compradores desconhecem a origem das árvores e reforça a importância de exigir documentação antes da aquisição. "Sempre que for comprar qualquer tipo de árvore de grande porte, deve pedir a nota fiscal com o número do Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem) do viveiro e pedir quem é o responsável técnico pela produção daquela planta", orienta.
A ausência desses documentos é um sinal de alerta. "Caso a pessoa que está vendendo não forneça esse documento, é um forte indício de que você está comprando uma planta ilegal."




