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O Brasil vive hoje uma crise institucional sem precedentes. Curiosamente, ela não nasceu da política tradicional, mas do Judiciário. De um lado, há magistrados que extrapolam suas funções e querem ser mais que árbitros: tornam-se jogadores, goleiros e até torcida. Como disse Alice Roosevelt sobre seu próprio pai, Theodore Roosevelt, buscam ser o cadáver em cada funeral, a noiva em todo casamento e o bebê em cada batizado. Sem legitimidade eleitoral, acabaram criando problemas maiores que os que pretendiam resolver.
De outro lado, há juízes que preferem não decidir – como o xerife do faroeste que esconde a estrela ao ver o bando de criminosos chegar. É a lógica das audiências de custódia que devolvem criminosos às ruas em poucas horas, permitindo que assaltantes e estupradores tenham dezenas de “passagens” pela polícia.
O Brasil investe pesado na formação de oficiais de alta qualidade, mas esses talentos permanecem subutilizados diante de crises que atingem milhões de brasileiros
O resultado é um sistema em que se decide demais de um lado e de menos de outro, sempre sob a mesma ideologia que domina as Faculdades de Direito brasileiras. E enquanto defensores públicos recém-ingressos conseguem manejar ações bilionárias com efeitos nacionais, generais de quatro estrelas permanecem inertes nos quartéis, aguardando ordens do comandante-em-chefe.
É nesse ponto que surge a pergunta: onde estão as Forças Armadas? Não, claro que não se trata de pedir tanques nas ruas nem aventuras autoritárias. Mas o silêncio militar é eloquente. O Brasil investe pesado na formação de oficiais de alta qualidade, mas esses talentos permanecem subutilizados diante de crises que atingem milhões de brasileiros.
Basta olhar para o Rio de Janeiro. Comunidades inteiras são controladas por narcotraficantes fortemente armados – com armamentos que deveriam ser de uso exclusivo militar. Se as fronteiras estivessem realmente protegidas, como se afirma, essas armas não teriam chegado às mãos de criminosos. Temos uma “linha Maginot” que permitiu que essas armas estivessem com as pessoas erradas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atual comandante-em-chefe, não aciona as Forças Armadas nem mesmo diante desse quadro. Sem autonomia, restam imóveis nos quartéis. O contraste com os famosos guardas reais britânicos com chapéu de urso – que ao menos mantêm sua fleuma como espetáculo – é inevitável. Aqui, a fleuma custa vidas.
A justificativa recorrente para não empregar militares no combate ao crime organizado é o risco de corrupção. Mas não agir é a forma mais rápida de corroer a própria instituição. O último herói a tombar nessa guerra não foi um militar, mas um civil: o delegado Ruy Ferraz Fontes, executado em Praia Grande após décadas de serviço público honrado. Um enterro com honras militares teria sido o mínimo.
O país não precisa que o art. 142 da Constituição vire senha para aventuras políticas. Precisa, sim, de reflexão séria sobre como empregar de maneira moderna e útil o preparo de seus militares. Como dar mais autonomia e missões compatíveis com os desafios do presente? Como utilizá-los no combate ao crime organizado, no fortalecimento da inteligência e até na disputa pelo espaço simbólico das ideias, hoje dominado por universidades capturadas por um viés ideológico?
Ficar de costas para o Brasil não é solução. Parafraseando Fernando Brant e Milton Nascimento: “Ficar dentro dos quartéis, de costas para o Brasil, não vai fazer desse lugar um bom país". O general canadense Roméo Dallaire, testemunha do genocídio de Ruanda em 1994, resumiu em uma frase a disposição que falta aos nossos quartéis: “Peux ce que veux. Allons-y.” – Pode quem quer. Vamos em frente.
Luiz Augusto Módolo de Paula é advogado, bacharel, mestre e doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP, jornalista e membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo. Escritor, autor de “Genocídio e o Tribunal Penal Internacional para Ruanda” (Appris, 2014), “Resolução de Conflitos em Direito Internacional Público e a Questão Iugoslava” (Arraes, 2017), “A Saga de Theodore Roosevelt” (Editora Lisbon International Press, 2020), “O Jugo da Histeria no Brasil Ocupado” (2021) e de “Teddy Roosevelt para Crianças” (2022) – os dois últimos editados pela Arcádia Educação e Comércio Ltda e escritos em parceria com Lílian Cristina Schreiner-Módolo. Instagram: @luizaugustomodolo. X (Twitter): @LAModolo.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos