laicismo
A meta do laicismo é isolar e calar os cristãos, transformando a religião em assunto estritamente privado. (Foto: Imagem criada utilizando Whisk/Gazeta do Povo)

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Nos últimos tempos, a religião voltou a ser tratada como um elemento incômodo da vida pública, como se a fé, ao se manifestar fora do templo, precisasse pedir licença ao Estado laico. Falam em “desinformação religiosa” como se todo fiel fosse um terraplanista espiritual, alguém incapaz de pensar sem autorização do pastor. A ironia é que, no fundo, quem acusa a fé de alienar é justamente quem quer um monopólio sobre o que pode ser dito, crido e votado.

Há quem enxergue qualquer expressão religiosa como tentativa de dominação, um resquício medieval que a modernidade teria o dever de eliminar. Essa leitura, travestida de neutralidade, na verdade nasce de um preconceito disfarçado de racionalidade: o de que a fé é sempre manipulação, e o religioso, um ser politicamente perigoso. Há quem diga que a religião confunde o debate público. Mas, curiosamente, é ela quem ainda lembra o mundo de que existe certo e errado, mesmo quando o mundo finge não saber.

A história mostra exatamente o contrário: as grandes conquistas morais da civilização ocidental – da dignidade humana à noção de direitos universais – emergiram de uma base religiosa que ensinou o valor da pessoa, a igualdade perante Deus e o dever de justiça.

Em nome de uma “pureza” laica, tenta-se empurrar a fé para as sombras, como se a religião só fosse aceitável enquanto inofensiva, privada e silenciosa

Não foi o Estado laico que libertou o homem; foi a fé que inspirou a ideia de que nenhum poder terreno pode se colocar acima da consciência. A fé não nos atirou no escuro; foi ela que acendeu a luz. O Estado moderno apenas herdou, com roupagem jurídica, um princípio teológico: o de que o ser humano tem um valor intrínseco e inalienável.

Mesmo assim, em nome de uma “pureza” laica, tenta-se empurrar a fé para as sombras, como se a religião só fosse aceitável enquanto inofensiva, privada e silenciosa. É curioso: quem defende um Estado que tudo regula teme justamente a única força que o limita, qual seja, a consciência moral.

Hoje, querem que o cristão guarde sua consciência na portaria antes de entrar na vida pública. “Vote, mas não em nome de Deus.” “Opine, mas só se concordar com o manual.” É a nova censura: sorridente, colorida e travestida de tolerância. Chamam de “liberdade” o direito de calar o outro. Chamam de “pluralidade” um debate em que só um lado pode falar.

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E isto não acontece apenas com os “suspeitos de sempre”, aqueles setores da sociedade que que ainda não têm resolvidas suas questões espirituais. Agentes do Estado usam sua função pública para agir em desalinho com o espírito da Constituição, e estão em uma “cruzada às avessas” contra as dimensões públicas da fé no Brasil.

Um exemplo recente foi comentado pelo desembargador federal William Douglas ao portal Migalhas: a postura antirreligiosa do Ministério Público Federal, que fez uma recomendação contra a assistência religiosa no âmbito da Polícia Rodoviária Federal. O Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), por meio de seu Grupo de Estudos Constitucionais e Legislativos, também se debruçou sobre esta medida inconstitucional (e cruel, para ser sincero), por meio de um parecer bem fundamentado.

Há um equívoco perigoso nessa tentativa de expulsar o religioso do debate público: confundir fanatismo com convicção. O fanático quer impor; o crente quer testemunhar. A diferença é imensa. A fé autêntica não pede privilégio, pede espaço para existir. Não quer ditar políticas, mas lembrar princípios.

O que ameaça a democracia não é o religioso que fala, mas o Estado que escolhe quem pode falar. A fé é a última trincheira contra o totalitarismo das vontades

Ela recorda que o homem é mais do que um número de CPF, mais do que uma variável econômica ou um voto a ser conquistado. Uma nação que desconfia da fé desconfia também da sua própria humanidade. A fé não é um ruído na democracia. É o seu pulmão moral. Sem ela, o debate público asfixia.

Talvez o desconforto com o religioso venha justamente do fato de que a fé – sobretudo o cristianismo – incomoda ouvidos seculares (afinal, a revolução é também fruto deste ódio ao que a religião ajudou a estabelecer). Ela impõe limites morais ao poder e à vaidade dos homens, lembra que há uma lei anterior à lei positiva, e que nem tudo o que é permitido é bom. A religião incomoda por um motivo simples: ela lembra que existe uma lei acima da lei. Que o Estado não é Deus, e que nenhum governante suporta competir com alguém que tem um Deus para chamar de Soberano.

Por isso, em cada época, o discurso da suspeita contra a fé volta com novas roupagens; ontem em nome da “razão iluminista”, hoje em nome da “ciência” ou da “democracia”. Muda o pretexto, mas a intenção é a mesma: silenciar a transcendência e reduzir o homem ao que pode ser medido, contado e controlado.

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Defender a presença legítima da fé na vida pública não é um gesto de teocracia, mas de liberdade. É reconhecer que as ideias que moldam a sociedade – inclusive as laicas – nascem de convicções morais profundas. O espaço público é o lugar do diálogo entre essas convicções, não da sua censura. O que ameaça a democracia não é o religioso que fala, mas o Estado que escolhe quem pode falar. A fé é a última trincheira contra o totalitarismo das vontades. É a lembrança de que nem tudo pode ser comprado, vendido ou relativizado.

Quando acusam o cristão de “desinformar”, o que realmente querem é desarmar a consciência. Porque uma sociedade sem transcendência vira um shopping de interesses. A fé não precisa ser domesticada para ser cidadã. Quando ela se expressa com liberdade, ajuda o país a lembrar de onde veio e para onde quer ir. Afinal, a verdadeira alienação não está em quem ora antes de votar, mas em quem acredita que a política, sozinha, pode salvar a alma humana.

Talvez, o maior desafio do nosso tempo seja permitir que a fé volte a ser o que sempre foi: não uma ameaça, mas uma força moral que impede o poder, seja político ou ideológico, de se tornar absoluto. E, quando disserem que “a religião deve se calar para proteger a democracia”, lembre: toda vez que tentaram silenciar a fé, o que morreu primeiro não foi a Igreja – foi a liberdade.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos