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Um novo experimento arqueológico mostra que as imensas estátuas da Ilha de Páscoa, no Chile –conhecidas como Moai –, não eram arrastadas por troncos de madeira, como se acreditou por décadas. As rochas megalíticas realmente “caminhavam” em pé, movidas com o auxílio de cordas e equilíbrio. O processo engenhoso confirma relatos preservados pelos Rapa Nui, antigos habitantes da ilha.
Por muitos anos, os arqueólogos tentaram entender como as 887 estátuas de Moai saíram das pedreiras e foram parar nas plataformas cerimoniais, espalhadas por toda a Ilha de Páscoa.
As obras foram esculpidas em rochas megalíticas entre os anos de 1250 e 1500 pelo povo Rapa Nui. O período é marcado pela engenharia pré-industrial, tornando o transporte das estátuas um desafio, mesmo que houvesse o uso de animais ou rodas.
Porém, um estudo conduzido pelos arqueólogos Carl Lipo e Terry Hunt, da Universidade Binghamton e da Universidade Estadual de Nova York, parece ter descoberto respostas concretas sobre como os indígenas transportavam as estátuas da Ilha de Páscoa.
A pesquisa foi publicada na revista científica Journal of Archaeological Science. O trabalho de arqueologia experimental mostra na prática como os povos indígenas de Rapa Nui foram capazes de transportar estátuas de até 80 toneladas – sem tecnologia moderna.
Como foi realizado o transporte das estátuas da Ilha de Páscoa
Para testar a hipótese, os pesquisadores construíram uma réplica dos Moai, com cerca de cinco toneladas. Eles se basearam em medidas originais das esculturas da ilha. O modelo recebeu três cordas de transporte, uma em cada lateral e outra na parte traseira, e foi posicionado em um terreno semelhante ao da Ilha de Páscoa.
Grupos alternados de voluntários puxavam as cordas laterais, de um lado para o outro, enquanto outros controlavam o equilíbrio por trás. A cada balanço, o Moai “andava” sozinho para frente, usando a própria gravidade para impulsionar o movimento.
“Com o peso e o formato certos, o Moai se move praticamente sozinho. É uma questão de física, não de força bruta”, explica Carl Lipo, em entrevista à Universidade Binghamton.
Em menos de uma hora, a equipe conseguiu mover a réplica por mais de 100 metros, com menos de 20 pessoas, sem roldanas, rodas ou toras de madeira. Em estátuas Moai maiores – como as acima de 8 metros, que estão na Ilha de Páscoa, – seriam necessárias de 45 a 60 pessoas.
“Apenas 18 pessoas conseguiram mover uma escultura de cinco toneladas sem danificá-la. Isso mostra que o transporte podia ser feito com segurança, eficiência e cooperação”, afirmam os autores no estudo.
As observações arqueológicas reforçam o resultado experimental. O estudo identificou marcas de desgaste nas bases dos Moai originais compatíveis com o tipo de atrito gerado pelo balanço controlado.
Além disso, os pesquisadores descobriram que a inclinação do tronco e a base arredondada das estátuas não eram meros estilos artísticos.
“A morfologia das estátuas — especialmente a inclinação para frente e a base curvada — indica que elas foram projetadas pensando em como seriam transportadas”, afirmam Terry Hunt e Carl Lipo no artigo.
Descoberta explica mito da cultura Rapa Nui
Essa descoberta também dá um novo sentido a um antigo mito dos Rapa Nui. “As tradições orais locais descrevem as estátuas como tendo ‘caminhado’ até seus locais finais. Nossos achados sugerem que esses relatos podem refletir práticas mecânicas reais”, diz o estudo.
Para além da arqueologia da mobilidade, os resultados alteram ideias repetidas sobre a Ilha de Páscoa. Por décadas, acreditou-se que os habitantes teriam devastado as florestas ao usar toras de madeira para transportar os Moai.

A ação teria provocado um colapso ambiental, escassez de alimentos e levado a civilização Rapa Nui à ruína. Essa hipótese, popularizada pelo historiador Jared Diamond, é diretamente contestada por Lipo e Hunt nos estudos.
“As evidências indicam que os habitantes de Rapa Nui administravam seus recursos de forma sustentável e mantinham uma cooperação social complexa durante a construção das estátuas”, diz estudo. “Mais do que uma história de desastre ecológico, Rapa Nui representa um caso notável de engenhosidade humana.”
Uso de cordas de transporte exige sofisticação
O transporte das estátuas exigia coordenação, conhecimento de equilíbrio e domínio do movimento. Algo que revela um grau de sofisticação raramente atribuído a sociedades pré-industriais.
“Os Rapa Nui alcançaram feitos monumentais por meio da cooperação, não da coerção. Seu domínio do equilíbrio e do movimento reflete uma compreensão avançada da física”, afirmam os autores.
O estudo também sugere que a técnica de “caminhada” dos Moai pode ajudar a reinterpretar outros monumentos megalíticos do mundo, como Stonehenge, na Inglaterra, e as cabeças olmecas, no México.
“Compreender o mecanismo de ‘caminhada’ dos Moai pode transformar nossa interpretação sobre a mobilidade de monumentos em outros contextos pré-históricos”, conclui o artigo.
Ainda em entrevista à Binghamton University, Lipo elogiou a cultura Rapa Nui. “O mistério nunca foi sobre força, mas sobre inteligência. Os Rapa Nui descobriram uma forma de fazer o impossível parecer simples”, disse o arqueólogo.