Senado aprova recondução de Paulo Gonet à PGR
Em votação secreta, o Senado aprovou a recondução de Paulo Gonet ao comando da Procuradoria-Geral da República (PGR). (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, garantiu nesta quarta-feira mais dois anos no cargo. Sua recondução tinha sido assinada por Lula no fim de agosto, mas faltavam a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a votação no plenário do Senado – ambas ocorreram neste dia 12. Enxergar o copo meio cheio é ressaltar que o procurador-geral quase acabou barrado: depois de passar pela CCJ com 17 votos favoráveis e 10 contrários, no plenário ele teve o apoio de 45 senadores (apenas quatro a mais que os 41 necessários), contra 26 – a título de comparação, em 2023 Gonet teve vida bem mais tranquila no plenário, com seu nome aprovado por 65 a 11. No entanto, o fato é que a recondução de Gonet não deve ajudar em nada o país a recuperar a normalidade institucional perdida nos últimos anos, pois o procurador-geral ajudou a construir o estado de coisas atual.

Um exemplo bastante contundente é o da repressão ao 8 de janeiro. Ainda que as denúncias genéricas, no atacado, violando frontalmente a necessidade de individualização da conduta, tenham sido feitas quando a PGR ainda estava sob o comando de Augusto Aras (indicado por Jair Bolsonaro), a troca de procurador-geral não mudou absolutamente nada nos processos, com Gonet mantendo o vício de origem que levaria a inúmeras condenações claramente absurdas. A despeito de um ou outro acerto pontual – como o parecer pela liberdade provisória de Cleriston Pereira da Cunha, ignorado por Alexandre de Moraes (Cunha, que tinha vários problemas de saúde, morreria dois meses depois do pedido da PGR, na Papuda) –, no geral a Procuradoria-Geral da República endossou o arbítrio, insistindo na condenação de centenas de manifestantes por vários crimes de cujo cometimento não havia prova alguma.

A recondução de Paulo Gonet não deve ajudar o país a recuperar a normalidade institucional, pois o procurador-geral ajudou a construir o estado de coisas atual

O mesmo pode ser dito do “processo do golpe”, em que a PGR ofereceu denúncia contra Bolsonaro e vários outros supostos “golpistas” com base em uma única delação premiada (a do tenente-coronel Mauro Cid), que, além de ter várias versões diferentes, foi obtida em circunstâncias que qualquer outro órgão de acusação e qualquer outro tribunal do planeta considerariam suficientes para torná-la imprestável, já que a coação exercida por Moraes sobre Cid, com ameaças a familiares, foi notória e devidamente registrada. A PGR ainda atropelou o artigo 15 do Código Penal ao pedir condenações por crimes que podem até ter sido cogitados e preparados, mas não foram tentados, o que exclui a responsabilização. Mais recentemente, Gonet ainda defendeu uma tese mirabolante em relação a outro suposto “golpista”, o ex-assessor Filipe Martins, que segundo a PGR teria fraudado a própria entrada nos Estados Unidos, no fim de 2022 – a viagem, que não existiu, foi o argumento de Moraes para manter Martins preso por vários meses; o ex-assessor agora está em prisão domiciliar.

A disposição de Gonet em colaborar com a perseguição aos críticos do Supremo Tribunal Federal, jogando-os todos no balaio dos “golpistas” e dos responsáveis por “ataques à democracia”, também ficou evidente em outros episódios, como no bate-boca entre a família Mantovani e Moraes no aeroporto de Roma. A Polícia Federal havia encerrado o inquérito sem pedir nenhum indiciamento, mas a PGR solicitou a reabertura das investigações, com um novo delegado da PF, que chegou a novas (e convenientes) conclusões, apontando a existência de calúnia ainda que as imagens do circuito interno do aeroporto não tivessem som. A PGR ofereceu denúncia, e o processo só foi encerrado porque a família escolheu se retratar publicamente. Mais recentemente, a PGR voltou a colaborar com a perseguição política ao oferecer denúncia contra o perito e ex-assessor do TSE Eduardo Tagliaferro, que tem denunciado o funcionamento de um gabinete paralelo envolvendo o Supremo e a corte eleitoral; em vez de investigar essa atuação eufemisticamente chamada “fora do rito”, a PGR preferiu ir atrás do whistleblower, acusando-o até mesmo de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

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O apagão da liberdade de expressão no Brasil também contou e segue contando com o apoio da PGR. Ainda que a maioria das ordens de suspensão de perfis emitidas por Moraes nem sequer tenha passado pela PGR, Gonet foi favorável à suspensão do X no Brasil, em agosto de 2024. Durante o recente julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, Gonet não viu necessidade de mudar a posição de seu antecessor sobre o assunto: Aras defendeu o modelo de “dever de cuidado”, cuja principal consequência é o estabelecimento de um regime de censura por parte dos provedores, que apagariam conteúdos potencialmente “problemáticos”, ainda que lícitos, para evitar futuros problemas com a Justiça.

Durante o primeiro biênio de Paulo Gonet na PGR, um órgão de investigação e acusação foi transformado em órgão de perseguição. Infelizmente, não há como esperar nenhum tipo de reviravolta nos próximos dois anos. O “ainda tem muita gente para prender e muita multa para aplicar” dito por Moraes no fim de 2022 impregnou-se na PGR sob Gonet, que segue atrás de “inimigos da democracia” para investigar e acusar, sem perceber que é a própria procuradoria-geral quem contribui decisivamente para a manutenção de um regime que de democrático já não tem nada.